terça-feira, 9 de março de 2010

Cota racial ou social?

Como estamos em ano de eleição, a insegurança causada pela possibilidade de mudanças bate e a questão das cotas nas universidades está em pauta novamente, não faltando polêmica nem discórdia entre as opiniões de todos os grupos: negros, pobres e burgueses plantonistas.
Como beneficiário de programa assistencial universitário que sou, não posso deixar de me expressar afirmando que a cota social é mais justa. Digo isso porque o que realmente limita as pessoas em relação às oportunidades é a condição financeira e material. Ninguém está fora da universidade porque é negro, mas sim porque é pobre. A indução errônea de que a população negra é pobre ou de que a população carente é negra não cola. Por outro lado, a cota social atenderia todo negro merecedor do benefício, enquanto a cota racial atenderia somente negros, inclusive os que não precisam. Até acho muito bacana o discurso da dívida social brasileira para com a sociedade afro-descendente que neste país se isolou em cortiços e favelas após a abolição da escravatura. Porém, deve-se fazer uma pergunta elementar para iniciar este tipo de debate: quem é negro aqui? Diante de uma miscigenação única como a nossa, discutir quem pertence a esta ou aquela raça é até engraçado. Como fica o caso de uma mãe negra que junto com um homem branco gera um filho branco? E aí? Ele é negro? Deve ter acesso às cotas? Já conversei com uma funcionária da UFMG que trabalha na inscrição para o Vestibular e a mesma me confessou, que o requisito para se usar a cota para negro, é sentir-se negro. Ou seja, se eu, mesmo não sendo nitidamente negro nem branco, decidir fazer vestibular amanhã e marcar na minha ficha de inscrição a etnia "negra", serei beneficiado. Justamente por causa da dificuldade de definir, num país como o nosso, quem é negro e quem não é. Além disso, a cota é estritamente para negro e não para negro pobre. Apesar de poucos negros da sociedade não serem pobres (assim como o número de vagas nas faculdades destinadas a eles também não é grande), estes são os que acabam ocupando as vagas para cotistas, não o negro da periferia. Até seria eficiente e justo se a cota fosse para negro pobre, ou seja, tivesse dois requisitos em vez de um só. Do contrário, como é, está "chovendo no molhado".
Há quem diga que a intenção da cota racial não é sanar a exclusão causada pela materialidade, mas sim de inserir essa parte nos locais públicos, para que se acabe com o preconceito e etc.. Ao meu ver, raciocínio mal formulado. A imagem pejorativa do negro no inconsciente da população brasileira é do escravo, marginal, bandido, favelado, enfim, todos atributos inerentes à pessoa pobre, ao morador do morro, ao presidiário, ao garoto de rua que faz malabarismo no sinal. Acredito que se a intenção fosse realmente inserir o negro e acabar com o preconceito, seria muito mais eficiente elaborar leis que incentivassem empresas a contratar negros (assim como há para deficientes, determinando porcentagens no quadro de funcionários) ou fazer com que as emissoras de televisão, por exemplo, elencassem um percentual mínimo de negros em suas novelas. Enfim, trabalhar a imagem do negro. Isto daria sentido ao argumento.
Outra ótima pergunta (acho que a mais discutida atualmente) é: a vantagem servida alguém em detrimento de sua cor, já não seria uma diferenciação? Uma subestimação? Uma inferiorização? É notório que a disputa entre pobres e ricos pelas oportunidades é desigual. Mas a entre brancos e negros? A cor da pele limita? Tanto é, que existem movimentos organizados pelos próprios negros contra a cota racial, visando justamente esta interpretação da cota.
Para encerrar, concordo com Paulo Ghiraldelli Jr. (leia o texto aqui) quando este afirma que o problema está sendo tratado de forma inadequada, já que deve-se agir na raiz do problema, ou seja, o que deveria ser dado, é uma educação pública de qualidade para que todos possam competir igualmente na disputa por uma vaga na universidade. Obviamente, o valor do investimento para que se conserte nossa educação em relação às cotas é infinitamente maior, mas realmente incomoda não ver nenhuma atitude a longo prazo sendo tomada.
Um dia desses, entrei no site da UFMG para ver a relação de candidatos por vaga para certos cursos, já que dar aula é uma coisa que me atrai muito. Pude constatar que para cursos como História, Geografia, Letras, Filosofia, entre outras, praticamente já não há mais concorrência, pois ninguém quer ser professor. Os salários que estes profissionais recebem são ridículos e a estrutura da escola pública, assim como do sistema educacional em si, é um lixo. Uma pequena observação não feita no texto do Paulo G. Junior é que as cotas são uma política emergencial para inserção de minorias e diminuição de desigualdade social. Não acredito que há uma ingenuidade em torno do objetivo das cotas, sejam elas sociais ou raciais. Estas, logicamente, não almejam reestruturar o ensino. O que fazer com a população que já passou da fase escolar ou que já cursou o primário e não passou pelo "ensino reformado", se isto estivesse sendo feito? Para gente como eu, só mesmo o tão odiado assistencialismo estatal para dar uma ajuda. Pelo menos até que a sociedade brasileira diminua um pouco sua desigualdade, não vejo outro caminho a não ser este. Para quem gosta deste assunto, não se apavore! Se o Governo não agir rapidamente onde deve, as cotas ainda serão discutidas por muitas e muitas décadas, pois serão uma eterna emergência.

Limitando as esperanças

A vida se resume, pelo menos para quase todos, em esperar. Estamos sempre esperando. Nascemos projetando futuros, esperamos ser adolescentes, termos um pouco mais de liberdade e autonomia, esperamos ter uma boa companhia, um bom casamento, sermos bem sucedidos na profissão, enfim, não há nada mais comum, cotidiano e humano do que a espera.
Não coincidentemente, a palavra esperança deriva do verbo esperar. A esperança parece estar em qualquer pessoa. Afirmando isso, acredito que quem já perdeu todas as esperanças, seja lá o que se esperava, já não tem tanta motivação para tocar a vida.
Ao pensar em esperança, sempre esbarro em utopia. Tênue é a linha que separam as duas coisas. Uma soa possível, enquanto a outra deve ser remotamente realizável, em tese. Eis que ambas tem um pouco da outra, ou seja, para que se sustente uma utopia, seja ela da paz mundial, da igualdade entre os homens ou de qualquer outro desejo longínquo de nossa mente, é necessário ter esperança. Por mais absurda que seja a hipótese, sem a esperança, nada será. É diferente de desejar que nasça uma asa em minhas costas ou que eu possa caminhar sobre as águas. Nestes casos, por mais esperança que se tenha, naturalmente, não acontecerá.
O mesmo se verifica com a esperança, que sem fronteiras para limitar a vontade e a imaginação humana, em sentido a sua irrealização, vai aos poucos se tornando uma utopia.
Humanos, egoístas e eternos insatisfeitos que somos, não nos conformamos com nossa finitude (que seria algo realmente natural), nem com nossos bens (mesmo que nos atendam) e muito menos com nossa rotina (estado comum a qualquer ser vivo). Sabiamente, alguém definiu a felicidade como "uma aceitação plena da condição em que nos encontramos". Neste sentido, só quando dissermos para nós mesmos que estamos satisfeitos com tudo: relacionamento, bens, aparência e profissão, só aí, estaremos realmente felizes. Poderíamos desta forma, inferir que a inquietação, a frustração e a angústia são inerentes a quem está sempre a esperar por algo. A busca incessante tende a abrigar a infelicidade.
Como sermos felizes então, se estamos sempre a esperar por alguma coisa? Se todos queremos melhorar, aprimorar e progredir (ações que refletem uma inconformidade), ou se todos temos sonhos que não se concretizam ou se concretizam não achamos que chegamos ao nosso limite, então nunca seremos felizes? Neste impasse, parece que estamos condenados à eterna busca do que não sabemos bem o que é, à procura de um limite desconhecido e que se finda numa frustração ou em uma conformação, necessariamente. Conformação quando percebe-se que chegou-se ao limite e frustração quando este limite não é aparente e retoma-se então uma busca interminável.
Revigorante é a esperança e sábio é o momento exato da conformação. Dentre tantas opções de fazer e não fazer, bom é conhecer o nosso limite e o que realmente nos faz feliz, para que não percamos a esperança prematuramente e nem sejamos demasiadamente ambiciosos, pois ambos levam ao mesmo fim. Como quase tudo nada vida, o ideal mesmo é o meio termo.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Os olhos abertos da Justiça

"Hoje, mantida ainda a venda, pretende-se conferir à estátua Themis a imagem de uma justiça que, cega, concede a cada um o que é seu sem conhecer o litigante. Imparcial, não distingue o sábio do analfabeto; o detentor do poder do desamparado; o forte do fraco; o maltrapilho do abastado. A todos, aplica o reto Direito. Mas não é essa a Justiça que eu vejo. Vivo perante uma Justiça que ouve falar de injustiças, mas, por ser cega, não as vê; que sufocada pelo excesso de demanda, demora para resolver coisas grandes e pequenas; condenando-se pela sua própria limitação. Uma Justiça que, pobre e debilitada pela falta de recursos, não tem condições materiais de atualizar-se. Uma Justiça que quer julgar, mas não pode. Essa não é a Minha Justiça.
Minha Justiça não é cega. É uma Lady de olhos abertos, ágil, acessível, altiva, democrática e efetiva. Tirando-lhe a venda, eu a liberto, para que possa ver. Por não ser necessário ser cego para fazer justiça, minha justiça enxerga e, com olhos bons e despertos, é justa, prudente e imparcial. Ela vê a impunidade, a pobreza, o choro, o sofrimento, a tortura, os gritos de dor e a desesperança dos necessitados que lhe batem à porta. E conhece, com seus olhos espertos, de onde partem os gritos e as lamúrias, o lugar das injustiças, onde mora o desespero. Mas não só vê e conhece. Age. A minha é uma Justiça que reclama, chora, grita e sofre. Uma Justiça que se emociona. E de seus olhos vertem lágrimas. Não por ser cega, mas pela angústia de não poder ser mais justa".

(Damásio Evangelista de Jesus)