Primeiramente, gostaria de dizer que considero "Tropa de Elite 2" um dos melhores filmes que o cinema nacional já criou. A trama é muito bem estruturada e traz ótimas interpretações. Wagner Moura, como sempre, está mais convincente do que nunca. Tão convincente que consegue facilmente trazer à tona, um sentimento, ou melhor, uma noção antiga que, apesar de abrandada pelo tempo, sempre renasce com furor nas épocas em que a violência aumenta. Em frente à tela não é diferente quando somos expostos às cenas como as do longametragem. Nos convencemos de que o correto é que o Estado nos vingue e de que violência se combate com violência.
Para agravar o quadro da moral deturpada que aflorou com a mensagem exposta por José Padilha no cinema, nestes últimos dias, o país está acompanhando na TV (e na pele) a guerra ao narcotráfico que se instaurou no RJ. Isto faz com que os telespectadores projetem na realidade as cenas do filme, fazendo uma analogia equivocada e consagrando os soldados do BOPE como heróis nacionais.
No cinema, em cenas como a que Nascimento espanca o político, a galera vibra como se estivesse no estádio de futebol e seu time acabado de fazer um gol. Logo no início do filme, na cena em que o traficante interpretado por Seu Jorge leva um tiro e morre na rebelião, é impossível não escutar um "bem feito" ao lado.
Um detalhe vale ser destacado: em Tropa de Elite 2, conforme o próprio nome, "o inimigo agora é outro", enquanto que no RJ, a ação do BOPE é a ação deste "outro" (o sistema). Um sistema que age, desastrosamente, matando inocentes que, no final, são tratados como "efeito colateral" do combate.
Juntando tudo: o clima instaurado pelo filme (que foi assistido por milhões de brasileiros), as imagens reais do BOPE em ação (com edições cinematográficas feitas pela imprensa) e ainda, o jargão do Capitão Nascimento "bandido bom é bandido morto", ninguém tem mais dúvidas de que matar o bandido é a coisa mais natural e mais correta a se fazer (uma analogia com a pena de morte seria razoável). Nascimeno é o nosso "Robin Hood da segurança pública" que justifica o bem praticando o mal. Tortura, gravações e provas ilícitas, fazer justiça com as próprias mãos, vale tudo em prol da segurança. "Os fins justificam os meios".
Nessas horas, em pleno calor das imagens (seja da ficção ou da realidade), Direitos Humanos é papo de "esquerdinha de merda" e coisa pra "Che Guevara". Revestimo-nos então, com a famosa Lei de Talião: "olho por olho, dente por dente", tão arcaica quanto moderna, porém, desta vez na pior de suas vestes.
Antes de remediar, ou seja, de combater o tráfico, deveríamos nos perguntar: por que é que aquelas pessoas na favela traficam? Por que elas optam pelo crime? Ou até melhor... Porque é que existem tantas favelas no Brasil? Para dar esta resposta não é preciso ser nenhum gênio das ciências sociais, pois qualquer brasileiro sabe o quanto é incompetente o nosso Estado. Todos sabemos que em matéria de distribuição de renda e de reforma agrária, nosso governo caminhou quase nada. Qualquer um sabe da desigualdade que há na sociedade e o quão distante ela está de ser reduzida a um nível tolerável. Tudo culpa do Estado? Ora, de quem mais poderia ser senão do administrador dos bens públicos? Não é o Estado quem cobra impostos no intuito de promover o bem comum?
Por estes motivos, não se pode tratar o combate na favela como um simples "toma-lá-dá-cá". Matar os bandindos é eliminar (remediar) um problema que o próprio Estado criou. Um problema que ele não consegue resolver e que perdeu o controle há tempos. Assim sendo, aqueles que nasceram no meio da insalubridade da favela, em meio à falta de oportunidades e do desemparo estatal, se vêem punidos pela segunda vez pelo mesmo carrasco.
Não se trata de defender a impunidade ou de ser passivo frente a tudo que está acontecendo. Estou dizendo que este sentimento alimentado pela mídia e pelo filme é retrógrado e incompatível com um Estado Democrático de Direito. A polícia não é e nem deve ser instrumento de vingança da sociedade - até porque os combatidos são frutos da contradição desta mesma sociedade, bem como parte dela.
Obviamente, na favela não há só traficantes. Pelo contrário. O que se tem notícia é de que a grande maioria é gente de bem. Na minha (radical) opinião, gente de bem na favela é aquela que se conformou com a miséria, abriu mão da ambição e procura não se iludir com a remota possibilidade de viver uma vida decente de classe média. Em contrapartida, aqueles que entraram para o tráfico são os "rebeldes", ou seja, aqueles que não querem se sujeitar ao salário de R$ 510,00 por mês para ficar atrás de um balcão ou "bater caixa" na feira pelo resto da vida (caso sobreviva).
Talvez esta seja uma visão radical para alguns que lerem este texto. O que não me espanta em nada, pois sei que para os muitos que venceram e estão fora da "margem de corte", a ideia é a de que o outro só não venceu porque não quis, porque não se esforçou. Nas discussões sobre este assunto sempre há alguém pra contar a historinha do cara que saiu da favela e do meio da miséria, que conseguiu se virar e mudar de situação (Silvio Santos é o exemplo predileto). Todo mundo conhece um caso desse, não é mesmo? Concordo, também conheço! Só não concordo com invocar a exceção para desqualificar a regra. Este é um péssimo recurso discursivo frequentemente utilizado por aqueles que, em um debate, querem inverter a lógica numa tentativa de transformar o falso em verdadeiro. Ou pior, como neste caso específico, transformar pessoas que na verdade são mais vítimas do que todos nós em exclusivos culpados pela violência que está exposta nas imagens, sejam elas reais ou fictícias.