quinta-feira, 8 de abril de 2010

"Merum Jus"

Após cinco anos em um curso de Direito, o sujeito adquire uma perspectiva do mundo bastante interessante. Falando, obviamente, da regra, quem se dedica ao estudo das leis e de um ordenamento jurídico sistemático e complexo como o nosso, constrói para si um “mundo”. Tal “mundo” acompanha-o a todo tempo e em todos os lugares. O novo mundo é perfeito, pois foi concebido gradativamente, levando-se em conta os prós e contras percebidos no decorrer da vida jurídica. Se não é perfeito, beira a perfeição ou no mínimo, é mais inteligível do que o mundo real – totalmente incompreensível e contraditório.
Eis que o novo mundo é redondo. E então, não raramente, são avistadas realidades quadradas. O jurista observa o impasse, percebe o problema e tenta amoldar: comprime o seu mundo, puxa as extremidades, achata-o e nada. Pensa... Pensa... Esforça-se novamente, mas não tem jeito. O problema é a realidade a sua frente. Afinal, ela é quadrada. Como ajustar o seu mundo a ela? Não há solução. Ele não pode agir sobre esta realidade, seria afrontar as leis da física. Mais fácil e apropriado é se encarregar das realidades redondas mesmo e deixar as quadradas para quem sabe lidar com quinas e pontas.
João da Silva, brasileiro, 70 anos de idade, saiu de sua cidade, Conceição do Mato Dentro e foi ao fórum da capital. Precisava tratar de assuntos que lhe são de direito. Chegando lá, não pode entrar na sala de audiências, pois estava calçando sua velha sandália de couro e uma calça furada na perna. Vossa excelência, o Exmo. Sr. Dr. Juiz advertiu-lhe de que não estava em trajes adequados para tal “solenidade” e que deveria voltar outro dia. Nada de errado com o poder judiciário, o problema é a realidade social, travestida de pobreza e humildade.

3 comentários:

  1. Muito bom o texto! Que justiça real é essa! parabéns...

    ResponderExcluir
  2. Sou uma fã declarada de todos os seus textos que leio... Não somente pela forma na qual você os escreve, mas sobretudo pelas idéias que expressa! Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Eis a velha questão: Na maioria das vezes se é julgada pelo que se traje.
    Mas temos que lembrar sempre, que o caráter da pessoa não remete a roupa que geralmente veste.

    Excelente texto! A Cada dia escrevendo melhor.

    ResponderExcluir