quarta-feira, 28 de abril de 2010

Sobre os Cometas

Se eu fosse um cometa, consideraria os homens de nossa época uma estirpe degenerada.
Em épocas passadas, o respeito pelos cometas era universal e profundo. Um deles prenunciou a morte de César, outro foi visto como sinal de que a morte do imperador Vespasiano estava próxima. Homem resoluto, Vespasiano sustentou que o cometa devia ter algum outro significado, pois tinha uma cabeleira, enquanto que o imperador era careca. mas pouca gente concordou com este extremado racionalismo. S. Bede - teólogo e historiador inglês - disse que "os cometas são presságios de revoluções, de pestilências, guerra, ventos e calor". John Knox - teólogo e historiador protestante escocês - via os cometas como provas da cólera divina, enquanto outros protestantes escoceses pensavam que eles eram "uma advertência ao rei para que acabasse com os papistas".
A América, em especial a Nova Inglaterra, também teve a devida parcela de atenção cometária. Em 1652, um cometa apareceu no momento em que o célebre Sr. Cotton, ministro da igreja puritana, adoeceu e desapareceu quando ele morreu. Dez anos passados, a população pecadora de Boston, foi advertida por um novo cometa a abster-se "da volúpia e das ofensas às boas criaturas de Deus, com licenciosidades no beber e modismos no vestir." Increase Mather, clérigo eminente da igreja puritana, achava que os cometas e eclipses haviam prenunciado as mortes dos presidentes de Harvard e de governadores das colônias, razão pela qual instruiu o seu rebanho a rogar ao Senhor para "não levar embora as estrelas, deixando cometas em seu lugar".
Todas essas superstições foram aos poucos se dispersando depois que Halley descobriu que pelo menos um cometa orbitava o Sol numa elipse regular, exatamente como um planeta, e que Newton demonstrou que os cometas também obedeciam à lei da gravitação universal. Nas universidades mais conservadoras, os professores foram durante algum tempo proibidos de mencionar tais descobertas, mas, com o passar do tempo, a verdade não pôde mais ser ocultada.
Atualmente é difícil imaginar um mundo em que todos, os de cima e os de baixo, os instruídos e os ignorantes, ficassem preocupados com cometas e aterrorizados à sua passagem. A maioria de nós nunca viu um cometa. Eu vi dois e eles eram muito menos impressionantes do que eu imaginava. A nossa mudança de atitude não decorre apenas do racionalismo, mas da iluminação artificial também. Nas ruas de uma cidade moderna, o céu noturno é invisível, e, nas áreas rurais, viajamos em automóveis equipados com possantes faróis. Nós apagamos o céu, de modo que só uns poucos cientistas dão atenção às estrelas e planetas, aos meteoros e cometas. Nosso mundo cotidiano é mais do que nunca, uma produção humana. Há nisso ganhos e perdas: seguro de seus domínios, o homem se torna trivial, arrogante e um tanto louco. Mas eu não acredito que um cometa causasse hoje o salutar efeito moral que causou em Boston no ano de 1662. Hoje precisaríamos de um remédio mais forte...

Texto extraído da obra "Elogio ao Ócio" de Bertrand Russell (1935)

Nenhum comentário:

Postar um comentário