quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Homogeneidade cultural - Parte II

Na periferia, pessoas assistem ao reality show e navegam na internet das lan houses à procura das fofocas sobre os artistas da TV. Na zona sul os burgueses também assistem, mas em high definition. Para saber das fofocas não saem do quarto e com apenas um toque, o iphone acessa o twitter e mostra o dia-a-dia das estrelas.
Nas danceterias do morro dança-se funk. Nas boates frequentadas pelas elites, funk.
Nos ônibus, até mesmo na mão de gente que não está sentada pode-se ver um livro de auto-ajuda que recentemente tornou-se best seller. Nos cyber cafés e praças da zona sul é muito comum encontrar alguém lendo The Secret - isto mesmo, em inglês, para praticar o aprendido no curso de idiomas.
Enquanto marginais assaltam os supermercados, políticos assaltam os cofres públicos. 
Se na escola pública o favelado soca o professor no final da aula - o famoso "te pego na saída" - na universidade particular o playboy esfaqueia o mestre por causa das más notas - "te vejo no inferno".
No Complexo do Alemão fazem "churrasquinho" ou a "acunpultura carioca" (veja aqui). Na zona sul, esquartejam empresários em mil pedaços, queimam índios e espancam empregadas, prostitutas e gays nos pontos de ônibus.
Na escola pública, alunos furtam pertences um dos outros... Na universidade privada também!
Se um caminhão carregado tomba na rodovia, saqueamento da carga. Sempre para um Fusca pra levar um pouquinho... e um Honda Civic também!
Marginais arrombadores. Burgueses hackers
Nem esclarescidos nem ignorantes votam no PT ou no PSDB. Eles votam na Dilma ou no Serra.
No ENEM vaza gabarito e nos concursos públicos de alta remuneração também.
PM e PF, corruptas.
Se as oportunidades, o acesso aos bens de consumo, à educação e à cultura já não podem fazer tanta diferença nos comportamentos dos mais favorecidos, o que é que pode então?
Como diria o seriado mexicano: "Oh! E agora? Quem poderá nos defender?"

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Entrevista com Leonardo Boff

Em entrevista à Revista Star (Belo Horizonte), Leonardo Boff, um dos maiores teólogos da América Latina fala da atual Igreja Católica sem medir palavras e acusa o Papa de trabalhar com o crime e o pecado.
Conheça um pouco da história deste mestre e entenda melhor porque a instituição católica a cada dia perde mais fiéis para outras religiões e para o agnosticismo/ateísmo.
Realmente imperdível.

Leia a entrevista aqui.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Tropa de Elite 2: a moral às avessas

Primeiramente, gostaria de dizer que considero "Tropa de Elite 2" um dos melhores filmes que o cinema nacional já criou. A trama é muito bem estruturada e traz ótimas interpretações. Wagner Moura, como sempre, está mais convincente do que nunca. Tão convincente que consegue facilmente trazer à tona, um sentimento, ou melhor, uma noção antiga que, apesar de abrandada pelo tempo, sempre renasce com furor nas épocas em que a violência aumenta. Em frente à tela não é diferente quando somos expostos às cenas como as do longametragem. Nos convencemos de que o correto é que o Estado nos vingue e de que violência se combate com violência.
Para agravar o quadro da moral deturpada que aflorou com a mensagem exposta por José Padilha no cinema, nestes últimos dias, o país está acompanhando na TV (e na pele) a guerra ao narcotráfico que se instaurou no RJ. Isto faz com que os telespectadores projetem na realidade as cenas do filme, fazendo uma analogia equivocada e consagrando os soldados do BOPE como heróis nacionais.
No cinema, em cenas como a que Nascimento espanca o político, a galera vibra como se estivesse no estádio de futebol e seu time acabado de fazer um gol. Logo no início do filme, na cena em que o traficante interpretado por Seu Jorge leva um tiro e morre na rebelião, é impossível não escutar um "bem feito" ao lado.
Um detalhe vale ser destacado: em Tropa de Elite 2, conforme o próprio nome, "o inimigo agora é outro", enquanto que no RJ, a ação do BOPE é a ação deste "outro" (o sistema). Um sistema que age, desastrosamente, matando inocentes que, no final, são tratados como "efeito colateral" do combate.
Juntando tudo:  o clima instaurado pelo filme (que foi assistido por milhões de brasileiros), as imagens reais do BOPE em ação (com edições cinematográficas feitas pela imprensa) e ainda, o jargão do Capitão Nascimento "bandido bom é bandido morto", ninguém tem mais dúvidas de que matar o bandido é a coisa mais natural e mais correta a se fazer (uma analogia com a pena de morte seria  razoável). Nascimeno é o nosso "Robin Hood da segurança pública" que justifica o bem praticando o mal. Tortura, gravações e provas ilícitas, fazer justiça com as próprias mãos, vale tudo em prol da segurança. "Os fins justificam os meios".
Nessas horas, em pleno calor das imagens (seja da ficção ou da realidade), Direitos Humanos é papo de "esquerdinha de merda" e coisa pra "Che Guevara". Revestimo-nos então, com a famosa Lei de Talião: "olho por olho, dente por dente", tão arcaica quanto moderna, porém, desta vez na pior de suas vestes.
Antes de remediar, ou seja, de combater o tráfico, deveríamos nos perguntar: por que é que aquelas pessoas na favela traficam? Por que elas optam pelo crime? Ou até melhor... Porque é que existem tantas favelas no Brasil? Para dar esta resposta não é preciso ser nenhum gênio das ciências sociais, pois qualquer brasileiro sabe o quanto é incompetente o nosso Estado. Todos sabemos que em matéria de distribuição de renda e de reforma agrária, nosso governo caminhou quase nada. Qualquer um sabe da desigualdade que há na sociedade e o quão distante ela está de ser reduzida a um nível tolerável. Tudo culpa do Estado? Ora, de quem mais poderia ser senão do administrador dos bens públicos? Não é o Estado quem cobra impostos no intuito de promover o bem comum?
Por estes motivos, não se pode tratar o combate na favela como um simples "toma-lá-dá-cá". Matar os bandindos é eliminar (remediar) um problema que o próprio Estado criou. Um problema que ele não consegue resolver e que perdeu o controle há tempos. Assim sendo, aqueles que nasceram no meio da insalubridade da favela, em meio à falta de oportunidades e do desemparo estatal, se vêem punidos pela segunda vez pelo mesmo carrasco.
Não se trata de defender a impunidade ou de ser passivo frente a tudo que está acontecendo. Estou dizendo que este sentimento alimentado pela mídia e pelo filme é retrógrado e incompatível com um Estado Democrático de Direito. A polícia não é e nem deve ser instrumento de vingança da sociedade - até porque os combatidos são frutos da contradição desta mesma sociedade, bem como parte dela.
Obviamente, na favela não há só traficantes. Pelo contrário. O que se tem notícia é de que a grande maioria é gente de bem. Na minha (radical) opinião, gente de bem na favela é aquela que se conformou com a miséria, abriu mão da ambição e procura não se iludir com a remota possibilidade de viver uma vida decente de classe média. Em contrapartida, aqueles que entraram para o tráfico são os "rebeldes", ou seja, aqueles que não querem se sujeitar ao salário de R$ 510,00 por mês para ficar atrás de um balcão ou "bater caixa" na feira pelo resto da vida (caso sobreviva).
Talvez esta seja uma visão radical para alguns que lerem este texto. O que não me espanta em nada, pois sei que para os muitos que venceram e estão fora da "margem de corte", a ideia é a de que o outro só não venceu porque não quis, porque não se esforçou. Nas discussões sobre este assunto sempre há alguém pra contar a historinha do cara que saiu da favela e do meio da miséria, que conseguiu se virar e mudar de situação (Silvio Santos é o exemplo predileto). Todo mundo conhece um caso desse, não é mesmo? Concordo, também conheço! Só não concordo com invocar a exceção para desqualificar a regra. Este é um péssimo recurso discursivo frequentemente utilizado por aqueles que, em um debate, querem inverter a lógica numa tentativa de transformar o falso em verdadeiro. Ou pior, como neste caso específico, transformar pessoas que na verdade são mais vítimas do que todos nós em exclusivos culpados pela violência que está exposta nas imagens, sejam elas reais ou fictícias.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Consultório bíblico

Laura Schlessinger é uma conhecida locutora de rádio nos Estados Unidos. Ela tem um desses programas interativos que dá respostas e conselhos aos ouvintes que a chamam ao telefone. Recentemente, perguntada sobre a homossexualidade, a locutora disse que se trata de uma abominação, pois assim a Bíblia o afirma no livro de Levítico 18:22. Um ouvinte escreveu-lhe então uma carta que vou transcrever:
“Querida Dra. Laura: Muito obrigado por se esforçar tanto para educar as pessoas segundo a Lei de Deus. Eu mesmo tenho aprendido muito no seu programa de rádio e desejo compartilhar meus conhecimentos com o maior número de pessoas possível. Por exemplo, quando alguém se põe a defender o estilo homossexual de vida, eu me limito a lembrar-lhe que o livro de Levítico, no capítulo 18, versículo 22, estabelece claramente que a homossexualidade é uma abominação. E ponto final... Mas, de qualquer forma necessito de alguns conselhos adicionais de sua parte a respeito de outras leis bíblicas concretamente e sobre a forma de cumpri-las:
Gostaria de vender minha filha como serva, tal como o indica o livro de Êxodo, 21:7. Nos tempos em que vivemos, na sua opinião, qual seria o preço adequado?
O livro de Levítico 25:44, estabelece que posso possuir escravos tanto homens quanto mulheres, desde que sejam adquiridos de países vizinhos. Um amigo meu afirma que isso só se aplica aos mexicanos, mas não aos canadenses. Será que a senhora poderia esclarecer esse ponto? Por que não posso possuir canadenses?
Sei que não estou autorizado a ter qualquer contato com mulher alguma no seu período de impureza menstrual (Levítico 18:19, 20:18, etc.). O problema que se me coloca é o seguinte: como posso saber se as mulheres estão menstruadas ou não? Tenho tentado perguntar-lhes, mas muitas mulheres são tímidas e outras se sentem ofendidas.
Tenho um vizinho que insiste em trabalhar no sábado. O livro de Êxodo 35:2 claramente estabelece que quem trabalha nos sábados deve receber a pena de morte. Isso quer dizer que eu, pessoalmente, sou obrigado a matá-lo? Será que a senhora poderia, de alguma maneira, aliviar-me dessa obrigação aborrecida?
No livro de Levítico, 21:18-21 está estabelecido que uma pessoa não pode se aproximar do altar de Deus se tiver algum defeito na vista. Preciso confessar que eu preciso de óculos para ver. Minha acuidade visual tem de ser 100% pra que eu me aproxime do altar de Deus? Será que se pode abrandar um pouco essa exigência?
A maioria dos meus amigos homens tem o cabelo bem cortado, muito embora isto esteja claramente proibido em Levítico 19:27. Como é que eles devem morrer?
Eu sei, graças a Levítico 11:6-8, que quem tocar a pele de um porco morto fica impuro. Acontece que adoro jogar futebol americano, cujas bolas são feitas de pele de porco. Será que será me permitido continuar a jogar futebol americano se usar luvas?
Meu tio tem uma granja. Deixa de cumprir o que diz Levítico 19:19, pois planta dois tipo diferentes de sementes no mesmo campo, e também deixar de cumprir a sua mulher, que usa roupas de dois tecidos diferentes, a saber, algodão e poliéster. Além disso, ele passa o dia proferindo blasfêmias e maldizendo. Será que é necessário levar a cabo o complicado procedimento de reunir todas as pessoas da vila para apedrejá-los? Não poderíamos adotar um procedimento mais simples, qual seja, o de queimá-los numa reunião privada, como se faz com um homem que dorme com a sua sogra, ou uma mulher que dorme com o seu sogro (Levítico 20:14). Sei que a senhora estudou esses assuntos com grande profundidade de forma que confio plenamente na sua ajuda. Obrigado de novo por recordar-nos que a Palavra de Deus é eterna e imutável.”

Extraído da Obra "Ostra Feliz não Faz Pérola", de Rubem Alves.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Viva Cuba!!!

Acho que a admiração que tenho pelo modelo socialista não é novidade para ninguém que me conhece. Desta forma, não poderia deixar de postar aqui o melhor comentário que li essa semana!
Foi retirado do blog do Estadão, na seção de artigos do Marcos Guterman que, apesar de ser um direitista conservador e burguês (será que incorri em algum pleunasmo?), escreve comentários, resenhas e notas muito interessantes e por vezes hilárias, como no caso abaixo:

Com o slogan “Há um soldado em cada um de nós”, foi lançada nesta quarta-feira a mais nova versão do videogame Call of Duty. A primeira das “operações clandestinas” dos EUA da qual o jogador é convidado a participar é matar Fidel Castro.
A ditadura cubana, por meio do site Cubadebate, não tardou a ironizar: “O que o governo americano não conseguiu realizar em mais de 50 anos pretende fazer agora de modo virtual”.

É como disse meu amigo Evandro: "são os desejos reprimidos do inconsciente dando vasão pela fibra ótica"! rsrs

Leia também: O Bom do Ruim


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A ANGUSTIA DO LIVRE ARBITRIO

Posto que, somos seres desconectado com o planeta mãe (Terra) assim como os outros animais existentes e ambulantes desse mundo, não nos cabe dizer se somos livres ou não. Dado que, todos juntos estamos presos nesse universo, tudo leva a crer que somos livre. Mas indo mais além, nos confins da nossa galáxia, estamos todos no mesmo barco.
O Bebê não tem escolha a não ser tomar o leite do peito da mãe. Quem poderá escolher por ele é a própria mãe. O cachorro no entanto sabe escolher entre a carne podre e a carne saudável e a ele não foi conferido nenhum ensinamento a não ser pelo sentido do ofato, que no caso dele é bem apurado. Temos aí então, a interferência do sentido na hora da opção.
Se quero escolher entre a calça jeans e a social o meu sentido da visão que julgará. Se quero escolher entre o doce e o salgado, quem julgará é o meu paladar. Há quem diz que os olhos também julgam a comida, tem gente que não come jabuticaba porque imagina cocô de cabrito. Na música o melhor pulso+harmonia ganha a eleição no caso do DJ. E no sexo, o tato leva de bandeija a pele mais gostosa. Afinal a maioria prefere o homem ou mulher gostoso(a) à qualquer um dos dois pesando 180 kilos mas com um rosto divino.
Temos que levar em conta os sentidos no livre-arbítrio. Naquele momento, pois o livre-arbítrio é um sentimento hipócrita e a todo momento está mudando. Hoje não gosto de Funk (Lê-se; Funqui - de acordo com meu amigo Léo) rs rs. Mas quem sabe amanhã posso me apaixonar por uma garota que gosta e eu passe a gostar também.
Em resumo o livre-arbítrio está ligado com os sentidos e com o momento. Se está ligado com os sentidos, voltaremos para René Decartes que nos diz que estamos presos ao sentidos. De fato ele está certo. Se quero maça meu paladar mandou que eu escolhesse maça. Se quero ouvir Mozart minha audição mandou que eu ouvisse Mozart. E assim vai.
Mas se formos levar tudo isso para o lado místico da religião, que é onde me encontro, acredito que nossos desejos realmente estão ligados a algo místico. No fundo de nosso corpo, o que chamamos de alma, da qual abrirei um parágrafo para mostrar a minha interpretação de alma;
No mínimo do nosso corpo, até onde pode ir o maior microscópio, aquele microscópio que Stephen Hawkings disse que precisaria ser maior que o sistema solar para sondar a menor particula do mundo, pois é, com ele. No limite dele, onde não se vê mais nada dentro de nós, após o lepton e outras partículas menores que acharam bem depois do átomo, é onde se encontra a nossa alma. Onde nada encosta em nada e só se vê escuridão. Onde atua a física quântica. Nessa unidade de tempo, onde tudo pode ser mais rápido e que está presente em tudo que vive, nesse vazio onipresente, é onde vive o grande mistério que chamamos de Deus, na minha opnião. De lá que vem nossas vontades. Do mesmo modo místico que enxergamos nossas lembranças na mente ver vídeo (http://www.youtube.com/watch?v=8t7I1Sl3G2k&feature=related) É importante enfatizar esse espaço mínimo entre a matéria dentro de cada um de nós. Esse vazio assombroso que uni a matéria como rochas na montanha. Cada célula solta e ao mesmo tempo colada. Bem como a água que no mar é uniforme mas na chuva é solta. Feito a comida de pião chamada de "Capitão" onde se junta arroz e feijão na mão e aperta bem para virar tipo um bolinho. Algo parecido com o angú que solto é fubá mas que ná água quente fica cremoso e uniforme. Assim é o mundo visto de longe. Se pudermos distanciar infinitamente do universo e olhassemos pra ele, veríamos um bolo de luz. Dentro disso tudo estão os nossos sentidos e não tenho mais nada a dizer porque me perdi. Isso faz parte. Meu livre arbítrio está confuso e não sei escolher sobre o que realmente quero falar. rs rs. Meus sentidos se perderam, não sei mais dissertar sobre o tema. Estou confuso. Preciso decidir entre parar de escrever ou continuar. Mas não consigo. Eis um dilema, o que fazer senhor? Ele me disse pra parar por aqui antes que as pessoas pensem que sou um idiota, rs rs rs.
Abraços a todos.

Celinho
11/11/2010

A ilusão do livre-arbítrio

Embora tenha sido objeto de discussões na filosofia grega, foi com Santo Agostinho, no século IV, que o livre-arbítrio se transformou em doutrina teológica, sendo a partir daí amplamente difundida e adotada pelos religiosos. Grosso modo, o livre-arbítrio seria a possibilidade de agirmos conforme nossa vontade em casos que, obviamente, há escolhas a serem feitas. Por outro lado, não há livre-arbítrio quando não for possível agir de forma adversa.
No cotidiano, temos a faculdade de realizar ações que, em tese, poderíamos não realizar caso quiséssemos. O que defendo aqui é que esta noção não é tão simples quanto parece. Será que temos realmente a faculdade plena de escolher entre essa ou aquela hipótese? Estamos inteiramente livres para escolher entre fazer ou não fazer certas coisas?
Já no século XVII, Spinoza dirá que “a vontade não pode ser chamada causa livre, mas unicamente necessária”. Talvez começasse aí a ideia que Freud alicerçou como sendo suas teorias sobre os impulsos e desejos da nossa mente e que atualmente, viria a inspirar Giannetti no seu fisicalismo. Freud, sem modéstia, anunciou que suas descobertas sobre o inconsciente causariam na raça humana o sofrimento pela terceira “cisão narcisista” (1) por afirmar que o homem não age de forma livre, mas sim conforme seus impulsos e desejos inconscientes, como se fossemos reféns do mesmos.
O fisicalismo (2) irá mais longe ainda e irá propor que o “eu” é uma construção da mente. É um ente abstrato que acreditamos existir devido a nossas experiências de vida, mas que na verdade, não é nada senão o nosso próprio cérebro exigindo as satisfações e as realizações de nossas vontades, forçando-nos agir da forma que agimos.
Desta forma, acreditamos estar agindo a todo instante conforme queremos e escolhemos sem notar que na verdade, estamos satisfazendo desejos - e não necessidades - que se encontram em nosso inconsciente. Tal noção é facilmente percebida se começarmos a notar o que nos leva a consumir certos produtos, a trabalhar em certas atividades e a nos relacionar com determinadas pessoas. Sem muito esforço, perceberemos o quanto condicionamos nossos atos aos resultados que estes trarão. Por vez, estes resultados que almejamos são construídos pelo meio social em que vivemos, de forma que nossas ambições e desejos são moldados não só pela realidade que vivemos, mas também por aquela que desejamos viver. O agir é condicionado à finalidade. Conforme Jamie Arndt, psicólogo da Universidade do Missouri, "sabemos que o que é acessível em nossas mentes pode exercer uma influência no julgamento e comportamento simplesmente por estar ali, flutuando na superfície da consciência".
Voltando à Spinoza, o filósofo dirá ainda que “o esforço pelo qual cada coisa se esforça por perseverar em seu ser, nada mais é do que a sua essência atual, sendo que, a partir das afecções que a coisa sofreu, ela tende sempre a buscar aquilo que a conserve ou aumente a sua capacidade de afetar outros corpos” (3).
Spinoza tece críticas relevantes ao livre-arbítrio que acreditamos ter considerando-o mera ilusão (o que Giannetti trabalhará também em sua obra “O Auto-engano”). Embora em outras palavras, o filósofo descreve metaforicamente mas, de forma parecida, o que Freud cunhou em relação ao controle de nossos desejos e impulsos no trecho seguinte: “Se a pedra lançada tivesse consciência do seu movimento e da sua tendência a perseverar no movimento, julgar-se-ia livre, na medida em que ignoraria o impulso que produziu o seu movimento, que determinou de uma certa maneira a sua faculdade de estar em movimento ou em repouso. Do mesmo modo, aquele que na cólera, na embriaguez ou em sonho, crê agir livremente, é porque ignora as forças que o impelem contra a sua vontade.”
No campo religioso, o livre-arbítrio não pode ser visto senão como uma limitação aos poderes de Deus, pois, sendo ilimitados seus poderes, não haveriam explicações para que ele não interferisse positivamente na Terra para impedir os males. A teodicéia proposta por Epicuro é incisiva neste aspecto: se Deus é onipresente (está em todos os lugares), onisciente (tudo conhece e sabe) e onipotente (tudo pode), em conclusão, só há três hipóteses para explicar os males mundanos. Ou Deus é cruel e não quer deter o mal, ou é impotente porque não pode detê-lo ou por último, ele não sabe como fazê-lo. Com o livre-arbítrio, a noção de que "nem uma folha cai da árvore sem a vontade Deus" se desfaz e é transferida para nós a responsabilidade de tudo (ou quase tudo) que nos rodeia. Deus se exime das desgraças terrenas, cabendo a ele apenas julgamentos pós morte, o que em contrapartida cria sérias controvérsias quanto a responsabilidade de Deus para com o mundo e para com o homem (sua criação à imagem e semelhança).
Em suma, diria que é complexa a noção que possuímos de livre-arbítrio pelos motivos expostos tanto no âmbito prático como no teológico. Se há mesmo uma possibilidade plena de escolha e se somos realmente "condenados à liberdade" como propôs Sartre, podemos concluir que a existência ou não de um Deus é indiferente, pois nada muda para nós enquanto seres vivos e agentes. Por outro lado, se não há essa liberdade plena em que acreditamos, só restou a hipótese de que somos reféns de Deus ou dos nossos próprios desejos.

1 - Para Freud, a primeira cisão narcisista na humanidade aconteceu com a descoberta de Copérnico de que a Terra não é o centro do universo, mas uma parte insignificante dele. A segunda seria causada por Darwin, que retira o posto do homem de criação divina, comprovando através de seus estudos que nada somos senão uma espécie animal que evoluiu.
2 - Para o fisicalismo, mente é igual a corpo e tudo se reduz a um processo físico, não existem idéias privadas nem dualismo.
3 - Retirado da obra “A Ética” de Spinoza.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Laicidade à brasileira

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

(...)

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

(...)

Art. 210 § 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

"Pior do que tá não fica"(?)

É interessantíssimo conversar com as pessoas ao redor e ouvir suas opiniões sobre a eleição de Tiririca para Deputado Federal. Os argumentos são impressionantes e variados. Permeiam desde "protesto", "burrice", "falta de opção" e até "representatividade" (esse foi muito bom! Gostaria de saber quem é que o Tiririca representa).
O que deve ser corrigido no que se diz por aí é quanto à legitimidade de uma pessoa como o Tiririca em se candidatar. Para quem chegou no Brasil agora digo que, desde 1988, instaurou-se uma democracia por aqui que, por mais defeitos e problemas que tenha, não deixa de se propor como tal, e se ela não funciona devidamente, não é tanto por causa da teoria e sim por causa da prática. E é assim: qualquer cidadão com mais de 18 anos, brasileiro, alfabetizado e que possua aptidão física e mental pode ser cadidato neste país, inclusive gays, palhaços, músicos, jogadores de futebol ou qualquer outro, sem distinção de raça, crença ou profissão. Não vivemos numa aristocracia. Ou seja, o caminho não é e nem pode ser o de proibir figuras como Tiririca de se tornarem candidatas.
Como sempre faço, para encurtar essa polêmica em torno da candidatura do nosso Deputado eleito, sugiro ler um artigo que considero bem interessante. Clique: "Deu Tiririca na Democracia?"
Como defensor da democracia que também sou, diria que, por mais capenga que esta seja, considero-a melhor do que qualquer ditadura ou sistema autoritário. Não coloquemos culpa na bendita democracia diante de nossa política! Para tanto, vale relembrar a célebre frase do filósofo francês Joseph De Maistre que diz: "cada povo tem o governo que merece".
Não reclamemos dos candidatos, mas aprendamos a escolhê-los e a fiscalizá-los! O problema não está nos candidatos. Está em quem os escolhe! Assim sendo, diante da impossibilidade de trocar o eleitorado brasileiro pelo americano, francês, alemão, alienígena ou outro mais indicado, só nos resta entender de política e aprender a votar!
Ah! Dizer que não gosta de política e que todo político é igual também não resolve nada! Talvez, apenas dê tranquilidade à consciência daqueles menos atentos à realidade em que estão inseridos. Afinal, fugir dos problemas ou "protestar" digitando "2222" na urna é bem mais fácil do que estudar e se interar dos assuntos, não acham?
Lembremos também de Sarte: "Estamos condenados à liberdade". Não há hipóteses de fuga!.O Estado está em todos os lugares e a política também, o que quer dizer que tudo que nossos REPRESENTANTES decidirem incidirá sobre nós. Queiramos ou não. Votemos ou não.
Conversar um pouco sobre política, ler os jornais, procurar entender o nosso governo e nossa história não é uma faculdade para quem pretende construir uma país melhor, mas uma obrigação. Ninguém precisa ser Doutor em Ciências Políticas, apenas acompanhar um pouco mais de perto o que estão fazendos os políticos que NÓS ELEGEMOS. Conversar com quem está próximo a nós, debater, mandar emails, escrever em redes sociais, blogs, twitter, tudo isso é uma forma de atuar politicamente hoje em dia. Embora fosse bom, a maioria das pessoas não está disposta a pegar faixas e ir para a rua em passeata ou fazer motim na porta dos prédios do governo. Se cada um fizer o que estiver ao seu alcance para ajudar a desenvolver a política e fomentar o exercício da democracia de forma mais adequada já estará contribuindo muito.
Do contrário, se preferirmos ficar "protestando" em vez de votar conscientemente, quem sabe no futuro, a gente não consiga por fim ao mote de campanha do Tiririca e concluir que, na verdade, o que ele tinha era uma imaginação ruim e que nada estava tão ruim que não pudesse piorar?

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Pelo fim da hipocrisia

Há dias atrás vi uma matéria no “Fantástico” da Rede Globo e, mesmo já tendo uma opinião bem estruturada sobre o assunto, não pude deixar de ficar impactado. (leia a matéria aqui). A reportagem foi muito boa, porém não mostra os dois lados da moeda, como sempre. Diante dos fatos narrados, podemos concluir que fazer aborto no Brasil, apesar da ilegalidade, é uma prática muito comum e fácil. Assim sendo, percebe-se então que o que impera na sociedade brasileira, na verdade, é uma hipocrisia em relação ao aborto, não obstando falsos moralismos e descaso do poder público frente uma realidade cruel que precisa ser revista pelo Direito brasileiro, devendo este, como medida, descriminalizar e regular o aborto.
Seguem alguns argumentos para refletir sobre o caso:

1 – Quanto à argumentação jurídica de que a vida, mesmo que intrauterina deve ser tutelada pelo Estado, não há dúvidas. Porém, há um conflito entre bens jurídicos tutelados quando esta vida é indesejada pela mãe. O exercício da liberdade individual e da autonomia do indivíduo sobre seu próprio corpo devem ser invioláveis e estar acima do interesse estatal de tutelar uma vida que, nem cientificamente, consegue-se provar quando começa realmente. Há dispositivos legais que autorizam o aborto no caso de estupro e quando a gravidez põe em risco a vida da gestante (artigo 128, incisos I e II do Código Penal Brasileiro), ou seja, a vida do feto, nestes casos, está abaixo da integridade física da mulher e de sua autonomia sobre seu corpo, o que desfaz a noção de que a vida embrionária é prioridade sobre a de quem a gera. Em suma: o direito à vida pode ser relativizado.

2 – Do ponto de vista social, a questão do aborto é complexa por envolver muitos valores morais e religiosos, mas o ponto incisivo da questão reside no fator econômico. Como relatado na matéria disponível no link acima, há várias clínicas de aborto clandestinas espalhadas por todo Brasil, porém, só tem acesso a tais, mulheres da classe média, já que o preço para se realizar tal intervenção cirúrgica não é barato. Consequentemente, não tendo como arcar com os custos de uma clínica especializada em abortos, mulheres da periferia e de baixa renda optam por meios alternativos para atingirem o mesmo fim, como a ingestão de drogas e remédios contraindicadas, chá de ervas ou até mesmo métodos degradantes como a introdução de objetos pontiagudos pela vagina para perfurar o útero, causando graves hemorragias e mortes (*).
Sem falar que, quando a mulher procura um hospital por causa das consequências de um aborto, caso este seja voluntário, poderá responder criminalmente se denunciada.

* Para dar amparo às afirmações: “Dados sobre população foram obtidos junto à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estudaram-se 2.602 óbitos. Do total de óbitos, 15% foram devidos a aborto retido, aborto espontâneo e aborto induzido com indicação legalmente admitida. 85% dos óbitos foram causados por aborto induzido sem indicação legalmente admitida e por aborto sem causa especificada.” (Fonte: http://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v7n3/1408.pdf)


Conclusão: o que falta é o interesse estatal em regulamentar o aborto, pois dados estatísticos e pressupostos legais não faltam para que esta prática corriqueira seja não só descriminalizada, mas tutelada. Cabe ao Estado educar a população sexualmente, além de fornecer e esclarecer sobre os métodos contraceptivos para que não se banalize o aborto, na intenção de não torná-lo uma prática cada vez mais crescente no sistema público de saúde.
Obviamente, esta população a qual me refiro acima pertence às classes baixas, pois para a classe média e alta não há maiores riscos do que a lei que não os pune pelos abortos praticados. Para os mais abastados, como mostrou a reportagem, fazer um aborto é algo muito tranqüilo, com direito a anestesia, enfermeiras e profissionais gabaritados, tudo sob o maior sigilo.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Olá amigos,
É a primeira vez que escrevo aqui e gostaria, antes de tudo, de agradecer ao Wesley pelo convite, obrigado.
Certo dia imaginei, brincando de mãe de Diná, como seria o acordar dos candidatos a presidente da república no dia 04 de outubro quando souberam da vitória no dia anterior. A começar por Dilma, a vi feliz e sorridente. Orgulhosa pelos feitos e coberta de auto-respeito, vi a primeira mulher presidente do país comer um pão com manteiga, tomar um gole de café e sair para trabalhar muito orgulhosa. Ao lado do presidente Lula e outros grandes líderes políticos, ela era reluzente e radiante. Segura de sua vitória e pronta para assumir o país junto com o grupo do PT. Lula estava muito sorridente neste dia. Já o Serra, parecia um Pit Bull acorrentado que acabara de ser capturado pela carrocinha e levado para virar sabão. Marina estava orgulhosa da campanha, apesar de desiludida um pouco.
Imaginei Serra acordando vitorioso, nossa... quanta alegria, quanta satisfação. Parecia uma criança no natal quando vê a árvore cheia de presentes. Ele estava limpo, cheroso, sorridente. Saia para ir de encontro ao seu grupo organizar as idéias. Estava mais educado que nunca, um gentleman. Lula e Dilma choravam juntos, sentiam-se traídos pelo povo e assistiam tudo na TV. Mas não viam um país, viam a arca de Noé e apenas algumas pessoas entrando nela, deixando o resto para trás, sob a fúria da força estranha, os pecadores, o povo abandonado por Noé, que tinha nessa viagem a cara de Serra. Apesar de Marina ter conseguido entrar nesse barco, ela ficou calada o tempo todo, mas sobreviveu.
Por fim vi a vitória de Marina. Foi incrível, nas faculdades o assunto que reinava era o meio ambiente. Nunca tinha visto tanta festa universitária. Marina estava mais bonita, de peito erguido e com um futuro brilhante pela frente. A juventude parecia mais educada para com o planeta terra. A natureza era o assunto da moda. Marina revigorada quebrava tabú. Primeira mulher presidente, o PV chegava ao poder e por aí vai... Éramos notícia no mundo inteiro e o mundo conheceria a cara de Marina. Dilma e Serra não estavam tão triste, afinal a guerra entre eles não teve vitorioso(a). Eles apenas cessaram fogo pois a caravana de Marina presidente agora havia ordenado. Esse combate só voltaria daqui a 4 anos.
Mas como tudo isso não passava de um sonho, ou uma viagem delirante acordei e decidi que vou decidir meu voto quinta feira no debate da globo. Abraços
Celinho

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Homogeneidade Cultural

É estranho como criamos certas expectativas sobre coisas que não conhecemos. Eu, por exemplo, achava que a Universidade era transformadora. Aliás, ela até é. Mas pensei que fosse em sentido amplo e não em stricto sensu. Sinceramente, pensei que passaria por um turbilhão de informações, com direito a choques culturais, exposição a uma pluralidade não vista até então e etc. Pensei que entrando para a Universidade estaria abrindo a "Caixa de Pandora do Conhecimento" e viveria experiências inesquecíveis, tanto na questão do saber e do aprendizado quanto nas relações interpessoais principalmente. Se tratando do curso de Direito da PUC então, nem se fala...
Nos primeiros dias de aula, confesso que minha autoestima nunca ficara tão baixa, pois imaginava que todos aqueles alunos se encaixavam no esteriótipo do universitário que havia idealizado: filhos da classe média, de pais com curso superior, com boas estruturas tanto materiais quanto psicológicas, acesso à cultura, à escolas particulares de qualidade, experiências internacionais e uma vida social interessantíssima na capital (já que sempre morei no interior). Eu não estava errado, eram mesmo isso em boa parte. Porém, minha ingenuidade levou-me a crer que quem leva uma vida dessas, inevitavelmente torna-se uma pessoa cult. E aí, neste autoengano é que fui ter o meu choque cultural de verdade.
Imaginei que todo mundo ali ou senão a maioria na sala, adorava música de qualidade, ia ao teatro, lia muitos e muitos livros, entendia de arte e política, era bem crítico e informado além de ter sempre algo interessante para falar. Quanta besteira da minha cabeça! Não sei de onde tirei isso! Olha só o que o preconceito faz com a gente! No fundo, salvo algumas exceções, eram todos iguais. Para quase todos, música boa é aquela que está arrebentando nas FM's, seja pagode, funk ou sertanejo. Filme bom é aquele que ganha Oscar, lota as salas de cinema e tem no mínimo 3 unidades em toda Blockbuster. Paulo Coelho, é o maior fenômeno da literatura brasileira e Reality Show é a melhor invenção das últimas décadas. As conversas são um pouco diversificadas. Pode-se aprender de forma aprofundada sobre maquiagem, roupas, grifes, jogos eletrônicos, carros e qualquer outra coisa do tipo, desde que seja igualmente essencial a todo ser humano.
Sendo assim, percebi que meus colegas do passado, lá do ensino fundamental, que estudaram comigo na escola pública do interior, não são tão alienados assim. A vida precária que eles levam na periferia não é o que os limita como eu pensava. No fundo, a única diferença é que eles fazem festa na laje ou na calçada para escutar suas músicas e falar dos seus assuntos preferidos enquanto outros fazem isso no salão do condomínio fechado da zona sul de BH. Apenas isso. Troca-se apenas de ambiente. O resto é tudo igual.
Estou feliz por romper com o esteriótipo que criei e por perceber que o que nos afasta do saber, nos aliena e deturpa nossos valores nem sempre é a condição socioeconômica. Ela apenas pode facilitar o nosso engrandecimento cultural quando for privilegiada, mas não é o fator determinante pelo que pude averiguar.
Por fim, a frustração em relação a expectativa que criei em torno do convívio pessoal na Universidade acabou servindo, no final das contas, para elevar minha autoestima novamente. Menos mau...

Esperando GODOT


14 de Agosto de 2010... Esperando Godot parte 1

Bom... acabo de assistir a uma montagem da peça “ Esperando GODOT”, de Samuel Beckett. Após uma sessão boquiaberta, confesso que sai do teatro de pernas bambas e mãos trêmulas. Mais uma vez, extremamente impactada pelo trabalho do nosso querido Marcelo do Vale, de quem muito me orgulho, e mais ainda pela sua ousadia em recriar um texto tão denso. A tarde, o próprio diretor me disse “ uns riem, outros se sentem sufocados”. Confesso, que me preparei para rir, tendo em vista a semana angustiante e cheia de dúvidas que tive. Mas tamanha foi a minha surpresa, que uma reação adversa tomou conta de mim e o fato é que: GODOT me desceu as pernas. Tremi. Amoleci, mas não sufoquei. Engraçado... o poder do teatro de nos tocar, diretamente naquilo que nos abrimos a ouvir. “É como uma terapia" dizia o diretor, "é como a vida", eu diria. A gente só ouve quando quer...

Durante todo o espetáculo me perguntava porque não me dediquei a investigar GODOT antes de assisti-lo? Porque queria entender cada linha, cada palavra? Mas a arte não é pra ser entendida, explicada e sim sentida, experimentada. Para o meu espanto, na primeira busca ao google encontrei algo totalmente diferente do que eu havia experimentado, então decidi não investigar mais nada e escrever. Escrever dento da minha deficiência e ignorância sobre Beckett, mas pautada na minha experiência com GODOT por Marcelo do Vale.

Bom, para mim, GODOT personifica o futuro, ou seja, o que virá amanhã, amanhã, amanhã... Os personagens estão presos nessa espera, sem tempo para o anoitecer, sem tempo para o descanso. Assim também é nossa espera: tão pesada, que não nos permite nem tirar as botas, nem romper as estruturas, não nos permite viver. Estamos sempre pensando no amanhã. As personagens Vladimir e Estragon representam a luta entre emoção e razão, entre o pensar e o dançar, o viver e o morrer. Assim como nós, estamos todos esperando um futuro perfeito, que nos faz distanciar da vida presente e nos soldar como pedras, congelando nossas ações e reações. Sentimos nos cansados, preferimos a forca e a morte – um jeito egoísta de apressar GODOT.

O menino? Ah... O menino desprovido da memória é o mensageiro da espera, que nos alerta: “ ELE não virá hoje”. “ GODOT, quem é GODOT? O que ele faz?” Vladimir e Estragon perguntam. E o menino responde: “nada” . Porque o futuro nada mais é que a certeza do nada, é ausência, o que ainda não é!

Já através de Pozzo e Lucky, os outros personagens, experimentei a personificação da existência com sua dualidade entre escravizar e ser livre. Que oprime e é, ao mesmo tempo, oprimida. Lucky carrega durante todo o tempo uma bagagem que só é deixada de lado quando ele dança. Para mim uma das cenas mais lindas! Pela primeira vez ele tira a bagagem das costas e dança. A dança é desengonçada, mas é uma dança, um sopro de liberdade, hora da alma vazia. Pela única vez ele se posiciona ereto. E como na vida, quando nos livramos das bagagens, ficamos mais leves e podemos dançar. A bagagem, o ter vivido, ás vezes se tornam um fardo pesado demais...

(Pausa. Meu texto repousa por alguns dias...)


07 de Setembro... Esperando Godot parte 2

De Godot para este feriado enfadonho e melancólico, talvez um pouco triste. Resolvo publicar meu texto. Acredito, a espera de Godot é eterna. Sem exceção padecemos todos deste mesmo ritual. Ora não nos damos conta, ora nos justificamos nele. Esperar, esperar, esperar... não seria melhor viver, viver, viver...

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Ceticismo

"(...) A religião não deve existir para tapar os buracos da nossa ignorância. Isso a desmoraliza. É verdade, não podemos ainda explicar de forma satisfatória a origem do Universo. Existem inúmeras hipóteses, mas nenhuma muito convincente.
Mesmo se tivéssemos uma explicação científica, sobraria uma outra questão: o que determinou o conjunto das leis físicas que regem este Universo? Por que não um outro? Existe aqui uma confusão sobre qual é a missão da ciência. Ela não se propõe a responder a todas as questões que afligem o ser humano.
A ciência, ou melhor, a descrição científica da natureza, é uma linguagem criada pelos homens (e mulheres) para interpretar o cosmo em que vivemos. Ela não é absoluta, mas está sempre em transição, gradativamente aprimorada pela validação empírica obtida através de observações. A ciência é um processo de descoberta, cuja língua é universal e, ao menos em princípio, profundamente democrática: qualquer pessoa, com qualquer crença religiosa ou afiliação política, de diferentes classes sociais e culturas pode participar desse debate.
Ela não terá jamais todas as respostas, pois nem sabemos todas as perguntas. O cético prefere viver com a dúvida do que aceitar respostas que não podem ser comprovadas, que são aceitas apenas pela fé. Para ele, o não-saber não gera insegurança, mas sim mais apetite pelo saber. Essa talvez seja a lição mais importante da ciência, nos ensinar a viver com a dúvida, a idolatrá-la. Pois, sem ela, o conhecimento não avança."

Texto extraído do site "Micro/Macro" de Marcelo Gleiser

sábado, 14 de agosto de 2010

Encontro e desencontro de letras, de palavras.


No princípio era assim...

De um lado algumas letras soltas, livres. De outro palavras que queriam SER. Palavras desejos, sonhos, tristes, condenadas a uma única melodia.

Mas a vida de uma forma mágica, começou a juntar essas palavras-letras.

Uniu significantes, fez significados. O que não era se fez.

Uma nova melodia se ouviu, novas músicas romperam ... e o encontro se tornou um fato.

Houve o toque, o coração bateu forte. A carne se abriu e explosivamente as letras tornaram se corpo e luxúria aparentes. O gozo fazia cócegas e as palavras foram poucas...

Chamaram então o amor e ele foi se encaixando nas entre linhas, sem medo de extrapolar as páginas. Permitiu experiências jamais vividas, acalmou, sedimentou, desabrochou.

Convidaram então a alegriaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa, que se juntou a tantos “as” que parecia não ter fim.

Ao fundo a música compunha de forma essencial o encontro, ora inebriante e ardente, ora calmo e pacificador. Aliás, durante todo esse tempo de encontro DAS PALAVRAS, a música esteve presente, emprestando seus versos, envolvendo as mentes.

Mas de repente, a música cessou... e aquele mundo emudeceu. Nada mais foi dito, nada mais foi falado, nada mais foi escrito.

Ficaram muitas ????? e algumas ...

Em poucos segundos as palavras voltaram a ser letras isoladas, sozinhas e ninguém entendeu.

Haverá outros encontros? A música voltará a tocar? Frases serão compostas?

Será? Será? Será??

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Subjetividade

No direito é assim: se um sujeito mata alguém dolosamente e vai a julgamento, depois de tudo provado nos mínimos detalhes, defesa, tribunal do juri e blá blá blá, o juiz decide e profere uma sentença condenatória. Sem levar em consideração agravantes e atenuantes, a pena base disposta no art. 121 do Código Penal Brasileiro, dá ao juiz uma margem para condenar o réu entre 6 a 20 anos de reclusão. O que é que determinará se o juiz dará ao sujeito 6, 10, 12 ou 15 anos de prisão? Em tese, são as circunstâncias do crime, que podem ser várias (quem tiver curiosidade de saber quais são, leia no próprio Código Penal pois o objetivo do texto não é esse). Mas outro detalhe também contribuirá muito para influenciar o tempo de pena arbitrado por este juiz: seus valores morais. Entre outras palavras, a pena irá variar não apenas baseada em dispositivos legais, mas também no que o juiz entende por ser grave ou não, o que merece ser punido mais severamente ou não, no que é mais relevante para a sociedade no âmbito moral ou não. Assim sendo, não é preciso entrar no mérito de que neste aspecto não há um consenso. Acredito que ninguém duvide que, em uma causa complexa julgada por 10 juizes diferentes, provavelmente não teremos 10 sentenças iguais. Em uma lógica inversa, se todos os 10 juizes aplicassem exatamente a mesma pena ao réu, poderíamos dizer que estamos muito próximos de ter julgadores sem subjetividade, já que todos eles, sem consultarem uns aos outros, chegaram a mesma conclusão. Seria ótimo! Seria como se uma ciência humana soasse ciência exata! Um parâmetro ideal de justiça poderia estar sendo estabelecido a partir daí. Isso é coisa que não acontece, obviamente. Mas é um ideal que a "ciência jurídica" não deve deixar de perseguir a cada jurisprudência, súmula ou reforma em nossa lei.
Depois de ilustrado, tal raciocínio não seria muito diferente se aplicado aos recrutamentos feitos pelo pessoal dos Recursos Humanos (RH). Vamos lá... Temos uma empresa que disponibiliza uma vaga para um certo cargo. Esta, por sua vez, contrata um RH para fazer a seleção do cadidato a preencher o cargo e descreve todo o perfil que este deverá ter, que por sua vez pode ser bem variado: comunicativo, persuasivo, responsável, boa aparência, habilidade para trabalhar sob pressão (já vi isso em anúncio de emprego! Incrível!), enfim, vários são os traços profissionais que podem ser sugeridos por uma empresa e mais numerosos ainda são encontrados nos cadidatos. Daí, as dezenas de pessoas são postas, uma a uma, diante de um piscólogo, que dentre todas elas escolherá qual o candidato é o mais comunicativo, persuasivo, responsável, bem aparentado e que parece ser habilidoso para trabalhar sob pressão. Bem... Acredito que este psicólogo está mais enrolado e à mercê de sua subjetividade do que o juiz do exemplo anterior. Ou alguém acredita que se esta mesma empreitada for dada a 10 empresas de RH diferentes todas escolherão o mesmo candidato? Isso sem falar nos métodos duvidosos utilizados pelos psicólogos de RH para afirmar, depois de uma entrevista de 10 minutos com cada candidato, qual deles preenche melhor todos os requisitos repassados pela empresa que disponibilizou a vaga.
Não é nenhuma novidade, mas é bom deixar claro que a psicologia trabalha, na maioria dos casos, com a indução. Na indução, empiricamente, uma baixa amostragem de pessoas é submetida a certa situação, onde percebidas as reações, aplica-se o resultado a todas as pessoas de uma forma geral. É como se fosse uma "estatística", mas que não pode ter muitas variáveis, do contrário, como definir com qual tipo de pessoa estou lidando? Não pode haver uma pluralidade. Por isso, não raramente, pesquisas por amostragem se mostram inexatas e questionáveis tanto quanto ineficientes. Um bom exemplo do que é o método indutivo são as pesquisas em campanhas políticas. Colhe-se a opinião de cerca de 5 mil pessoas e projetando os resultados, tem-se a opinião dos milhões de eleitores brasileiros. Fácil, não?!
Mas no fundo mesmo - pra não prolongar demais a retórica - tudo isso que foi dito nestas rápidas linhas acima foi apenas para levar a mensagem: Não se chateie quando for eliminado em um processo de seleção no qual o psicólogo lhe perguntou: "Se você não fosse um ser humano, qual animal gostaria de ser?" E você sinceramente respondeu: "Um pássaro!" Pode ser que lhe bata um certo remorso, como no meu caso, do tipo, "deveria ter falado que gostaria de ser um cachorro, que é o melhor amigo do homem ou um macaco, que é mais inteligente", mas na verdade, o psicólogo não sabe porque você gostaria de ser um pássaro e nem você sabe o que é que ele pensa sobre os cachorros ou macacos. Não dá pra analisar pessoas como se faz contas na calculadora ou seguindo uma "tabelinha comportamental". Ou seja, é loteria! Então, boa sorte se for participar de uma entrevista com o pessoal do RH!!!

terça-feira, 4 de maio de 2010

Dando pitaco no assunto do momento...

Depois de tanta polêmica neste blog, não poderia deixar de tocar em mais esta. Movido principalmente pela mídia, o assunto do momento, “Chico Xavier e o Espiritismo”, tomou grandes proporções e parece mexer com todo tipo de religioso e porque não dizer, também conosco, os céticos.
Milhares de sites sobre o assunto tomaram a internet, revistas foram publicadas e um filme produzido virou campeão de bilheterias no país. De maneira alguma, pretendo aqui discorrer sobre o tema mais abordado “Chico Xavier: verdade ou farsa?”. Até porque, particularmente, se o mito brasileiro foi uma fraude ou não, pouco importa diante de sua conduta humana. Pelo que se conhece, o médium cresceu e viveu pobre, fazendo caridades e ajudando a todos da maneira que podia. Nunca reivindicou nem os direitos autorais de suas obras (que ultrapassam 450 livros), já que afirma não terem sido escritas por ele propriamente, mas sim pelos espíritos que o guiaram. Sinceramente, o que não quero fazer é especular sobre o que há de científico nesse assunto até agora, que é praticamente nada.
Mas onde está a polêmica então? Fácil. Está na estrutura ideológico-religiosa brasileira. Como pode “o maior país católico do mundo” se interessar tanto por espiritismo? Repetindo frases de um texto antigo, só posso considerar então, que o Brasil é uma nação de “católicos apostólicos baianos”, onde todos pertencem a várias religiões e a nenhuma ao mesmo tempo. Tomados pela “santa ignorância” (e o trocadilho aqui é proposital, como diria o filósofo), o brasileiro se agarra em tudo que pode. E quanto mais, melhor. Um povo que, em sua maioria, participa de novenas, vai à missa, ao terreiro, acredita em Deus, Oxalá, Jesus, diabo, Preto-velho, Iemanjá, lê a bíblia num dia (quando lê) e Alan Kardec no outro, faz simpatias nas sextas-feiras de lua cheia e jejum na Sexta-feira Santa, não pode ser levado muito a sério.
A Bíblia, que dizem os católicos ser "a palavra de Deus revelada", expõe de forma objetiva em Levítico 19:31, “Não vos voltareis para os que consultam os mortos nem para os feiticeiros; não os busqueis para não ficardes contaminados por eles. Eu sou o Senhor vosso Deus”. Em Deuteronómio 18:9-12, lemos: “Quando entrares na terra que o Senhor teu Deus te dá, não aprenderás a fazer conforme as abominações daqueles povos. Não se achará no meio de ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro, nem encantador, nem quem consulte um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz estas coisas é abominável ao Senhor, e é por causa destas abominações que o Senhor teu Deus os lança fora de diante de ti.”
Não só nestas passagens, mas em várias outras, o livro sagrado do catolicismo condena o espiritismo explicitamente. Como será possível então, frequentar ou admirar simultaneamente duas religiões que se contrapõem? Resposta: não sabendo do que se trata uma ou a outra. Como o fiel da Igreja Católica geralmente não é, na verdade, um fiel (pelo menos no Brasil) e muito menos um estudioso dos fundamentos da religião que escolheu, então vale tudo! Parece que por aqui o conceito de “fé-cega” é entendido de forma literal. Dezenas de perguntas poderiam ser feitas, mas pelo visto, falta o mínimo de senso crítico para quem se habilita a transitar entre os mistérios da religião. Afinal, a pessoa morre e vai para o céu, para o inferno ou fica vagando por aí? Se nem um, nem outro, para onde vão as almas então? Como é isso? Os médiuns podem “requisitar” almas no inferno ou no céu? E quanto às escrituras sagradas? Se a Bíblia é a palavra de Deus e nela creio, poderia eu então procurar os espíritos para uma consultinha ou uma palavrinha rápida? O problema não são as almas - nada contra elas - mas todo o aparato abstrato advindo de suposições para que elas existam (detalharei isso melhor em um texto posterior).
As pessoas não percebem o quanto as religiões tornam-se frágeis com esse "mix religioso". Gosto de entrar nesse assunto apenas para demonstrar os motivos pelos quais as pessoas se tornam, a cada dia que passa, menos religiosas. O problema está no discurso, na base ideológica que não cola de tanto se misturar, fragmentar e por outras vezes de se contradizer.
Acho que Dawkins acertou em cheio: o que há no ser humano é um “fetiche pelo místico”. Parece ser uma tendência do homem. Como aproximar-se do desencantamento e da racionalidade fosse inseguro ou ousado demais. A realidade nua e crua da vida amedronta mais do que almas penadas, possessões, demônios e finais apocalípticos para o mundo? Acredito que não.
E já que o assunto neste blog mais uma vez é a fé, para o bem da humanidade, vou professar a minha depositando-a por completo em um futuro mais iluminado e com gente mais desconfiada. Amém!

Só para constar, neste instante lembrei-me que um dia desses, andando pelas ruas do centro da cidade de Sabará, me deparei com uma placa em um recinto onde estava escrito "Curso de Espiritismo". Passo por uma outra e vejo em uma porta da Igreja Universal: "Sessão de desencapetamento". Sem comentários...

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Sobre os Cometas

Se eu fosse um cometa, consideraria os homens de nossa época uma estirpe degenerada.
Em épocas passadas, o respeito pelos cometas era universal e profundo. Um deles prenunciou a morte de César, outro foi visto como sinal de que a morte do imperador Vespasiano estava próxima. Homem resoluto, Vespasiano sustentou que o cometa devia ter algum outro significado, pois tinha uma cabeleira, enquanto que o imperador era careca. mas pouca gente concordou com este extremado racionalismo. S. Bede - teólogo e historiador inglês - disse que "os cometas são presságios de revoluções, de pestilências, guerra, ventos e calor". John Knox - teólogo e historiador protestante escocês - via os cometas como provas da cólera divina, enquanto outros protestantes escoceses pensavam que eles eram "uma advertência ao rei para que acabasse com os papistas".
A América, em especial a Nova Inglaterra, também teve a devida parcela de atenção cometária. Em 1652, um cometa apareceu no momento em que o célebre Sr. Cotton, ministro da igreja puritana, adoeceu e desapareceu quando ele morreu. Dez anos passados, a população pecadora de Boston, foi advertida por um novo cometa a abster-se "da volúpia e das ofensas às boas criaturas de Deus, com licenciosidades no beber e modismos no vestir." Increase Mather, clérigo eminente da igreja puritana, achava que os cometas e eclipses haviam prenunciado as mortes dos presidentes de Harvard e de governadores das colônias, razão pela qual instruiu o seu rebanho a rogar ao Senhor para "não levar embora as estrelas, deixando cometas em seu lugar".
Todas essas superstições foram aos poucos se dispersando depois que Halley descobriu que pelo menos um cometa orbitava o Sol numa elipse regular, exatamente como um planeta, e que Newton demonstrou que os cometas também obedeciam à lei da gravitação universal. Nas universidades mais conservadoras, os professores foram durante algum tempo proibidos de mencionar tais descobertas, mas, com o passar do tempo, a verdade não pôde mais ser ocultada.
Atualmente é difícil imaginar um mundo em que todos, os de cima e os de baixo, os instruídos e os ignorantes, ficassem preocupados com cometas e aterrorizados à sua passagem. A maioria de nós nunca viu um cometa. Eu vi dois e eles eram muito menos impressionantes do que eu imaginava. A nossa mudança de atitude não decorre apenas do racionalismo, mas da iluminação artificial também. Nas ruas de uma cidade moderna, o céu noturno é invisível, e, nas áreas rurais, viajamos em automóveis equipados com possantes faróis. Nós apagamos o céu, de modo que só uns poucos cientistas dão atenção às estrelas e planetas, aos meteoros e cometas. Nosso mundo cotidiano é mais do que nunca, uma produção humana. Há nisso ganhos e perdas: seguro de seus domínios, o homem se torna trivial, arrogante e um tanto louco. Mas eu não acredito que um cometa causasse hoje o salutar efeito moral que causou em Boston no ano de 1662. Hoje precisaríamos de um remédio mais forte...

Texto extraído da obra "Elogio ao Ócio" de Bertrand Russell (1935)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

"Merum Jus"

Após cinco anos em um curso de Direito, o sujeito adquire uma perspectiva do mundo bastante interessante. Falando, obviamente, da regra, quem se dedica ao estudo das leis e de um ordenamento jurídico sistemático e complexo como o nosso, constrói para si um “mundo”. Tal “mundo” acompanha-o a todo tempo e em todos os lugares. O novo mundo é perfeito, pois foi concebido gradativamente, levando-se em conta os prós e contras percebidos no decorrer da vida jurídica. Se não é perfeito, beira a perfeição ou no mínimo, é mais inteligível do que o mundo real – totalmente incompreensível e contraditório.
Eis que o novo mundo é redondo. E então, não raramente, são avistadas realidades quadradas. O jurista observa o impasse, percebe o problema e tenta amoldar: comprime o seu mundo, puxa as extremidades, achata-o e nada. Pensa... Pensa... Esforça-se novamente, mas não tem jeito. O problema é a realidade a sua frente. Afinal, ela é quadrada. Como ajustar o seu mundo a ela? Não há solução. Ele não pode agir sobre esta realidade, seria afrontar as leis da física. Mais fácil e apropriado é se encarregar das realidades redondas mesmo e deixar as quadradas para quem sabe lidar com quinas e pontas.
João da Silva, brasileiro, 70 anos de idade, saiu de sua cidade, Conceição do Mato Dentro e foi ao fórum da capital. Precisava tratar de assuntos que lhe são de direito. Chegando lá, não pode entrar na sala de audiências, pois estava calçando sua velha sandália de couro e uma calça furada na perna. Vossa excelência, o Exmo. Sr. Dr. Juiz advertiu-lhe de que não estava em trajes adequados para tal “solenidade” e que deveria voltar outro dia. Nada de errado com o poder judiciário, o problema é a realidade social, travestida de pobreza e humildade.

terça-feira, 9 de março de 2010

Cota racial ou social?

Como estamos em ano de eleição, a insegurança causada pela possibilidade de mudanças bate e a questão das cotas nas universidades está em pauta novamente, não faltando polêmica nem discórdia entre as opiniões de todos os grupos: negros, pobres e burgueses plantonistas.
Como beneficiário de programa assistencial universitário que sou, não posso deixar de me expressar afirmando que a cota social é mais justa. Digo isso porque o que realmente limita as pessoas em relação às oportunidades é a condição financeira e material. Ninguém está fora da universidade porque é negro, mas sim porque é pobre. A indução errônea de que a população negra é pobre ou de que a população carente é negra não cola. Por outro lado, a cota social atenderia todo negro merecedor do benefício, enquanto a cota racial atenderia somente negros, inclusive os que não precisam. Até acho muito bacana o discurso da dívida social brasileira para com a sociedade afro-descendente que neste país se isolou em cortiços e favelas após a abolição da escravatura. Porém, deve-se fazer uma pergunta elementar para iniciar este tipo de debate: quem é negro aqui? Diante de uma miscigenação única como a nossa, discutir quem pertence a esta ou aquela raça é até engraçado. Como fica o caso de uma mãe negra que junto com um homem branco gera um filho branco? E aí? Ele é negro? Deve ter acesso às cotas? Já conversei com uma funcionária da UFMG que trabalha na inscrição para o Vestibular e a mesma me confessou, que o requisito para se usar a cota para negro, é sentir-se negro. Ou seja, se eu, mesmo não sendo nitidamente negro nem branco, decidir fazer vestibular amanhã e marcar na minha ficha de inscrição a etnia "negra", serei beneficiado. Justamente por causa da dificuldade de definir, num país como o nosso, quem é negro e quem não é. Além disso, a cota é estritamente para negro e não para negro pobre. Apesar de poucos negros da sociedade não serem pobres (assim como o número de vagas nas faculdades destinadas a eles também não é grande), estes são os que acabam ocupando as vagas para cotistas, não o negro da periferia. Até seria eficiente e justo se a cota fosse para negro pobre, ou seja, tivesse dois requisitos em vez de um só. Do contrário, como é, está "chovendo no molhado".
Há quem diga que a intenção da cota racial não é sanar a exclusão causada pela materialidade, mas sim de inserir essa parte nos locais públicos, para que se acabe com o preconceito e etc.. Ao meu ver, raciocínio mal formulado. A imagem pejorativa do negro no inconsciente da população brasileira é do escravo, marginal, bandido, favelado, enfim, todos atributos inerentes à pessoa pobre, ao morador do morro, ao presidiário, ao garoto de rua que faz malabarismo no sinal. Acredito que se a intenção fosse realmente inserir o negro e acabar com o preconceito, seria muito mais eficiente elaborar leis que incentivassem empresas a contratar negros (assim como há para deficientes, determinando porcentagens no quadro de funcionários) ou fazer com que as emissoras de televisão, por exemplo, elencassem um percentual mínimo de negros em suas novelas. Enfim, trabalhar a imagem do negro. Isto daria sentido ao argumento.
Outra ótima pergunta (acho que a mais discutida atualmente) é: a vantagem servida alguém em detrimento de sua cor, já não seria uma diferenciação? Uma subestimação? Uma inferiorização? É notório que a disputa entre pobres e ricos pelas oportunidades é desigual. Mas a entre brancos e negros? A cor da pele limita? Tanto é, que existem movimentos organizados pelos próprios negros contra a cota racial, visando justamente esta interpretação da cota.
Para encerrar, concordo com Paulo Ghiraldelli Jr. (leia o texto aqui) quando este afirma que o problema está sendo tratado de forma inadequada, já que deve-se agir na raiz do problema, ou seja, o que deveria ser dado, é uma educação pública de qualidade para que todos possam competir igualmente na disputa por uma vaga na universidade. Obviamente, o valor do investimento para que se conserte nossa educação em relação às cotas é infinitamente maior, mas realmente incomoda não ver nenhuma atitude a longo prazo sendo tomada.
Um dia desses, entrei no site da UFMG para ver a relação de candidatos por vaga para certos cursos, já que dar aula é uma coisa que me atrai muito. Pude constatar que para cursos como História, Geografia, Letras, Filosofia, entre outras, praticamente já não há mais concorrência, pois ninguém quer ser professor. Os salários que estes profissionais recebem são ridículos e a estrutura da escola pública, assim como do sistema educacional em si, é um lixo. Uma pequena observação não feita no texto do Paulo G. Junior é que as cotas são uma política emergencial para inserção de minorias e diminuição de desigualdade social. Não acredito que há uma ingenuidade em torno do objetivo das cotas, sejam elas sociais ou raciais. Estas, logicamente, não almejam reestruturar o ensino. O que fazer com a população que já passou da fase escolar ou que já cursou o primário e não passou pelo "ensino reformado", se isto estivesse sendo feito? Para gente como eu, só mesmo o tão odiado assistencialismo estatal para dar uma ajuda. Pelo menos até que a sociedade brasileira diminua um pouco sua desigualdade, não vejo outro caminho a não ser este. Para quem gosta deste assunto, não se apavore! Se o Governo não agir rapidamente onde deve, as cotas ainda serão discutidas por muitas e muitas décadas, pois serão uma eterna emergência.

Limitando as esperanças

A vida se resume, pelo menos para quase todos, em esperar. Estamos sempre esperando. Nascemos projetando futuros, esperamos ser adolescentes, termos um pouco mais de liberdade e autonomia, esperamos ter uma boa companhia, um bom casamento, sermos bem sucedidos na profissão, enfim, não há nada mais comum, cotidiano e humano do que a espera.
Não coincidentemente, a palavra esperança deriva do verbo esperar. A esperança parece estar em qualquer pessoa. Afirmando isso, acredito que quem já perdeu todas as esperanças, seja lá o que se esperava, já não tem tanta motivação para tocar a vida.
Ao pensar em esperança, sempre esbarro em utopia. Tênue é a linha que separam as duas coisas. Uma soa possível, enquanto a outra deve ser remotamente realizável, em tese. Eis que ambas tem um pouco da outra, ou seja, para que se sustente uma utopia, seja ela da paz mundial, da igualdade entre os homens ou de qualquer outro desejo longínquo de nossa mente, é necessário ter esperança. Por mais absurda que seja a hipótese, sem a esperança, nada será. É diferente de desejar que nasça uma asa em minhas costas ou que eu possa caminhar sobre as águas. Nestes casos, por mais esperança que se tenha, naturalmente, não acontecerá.
O mesmo se verifica com a esperança, que sem fronteiras para limitar a vontade e a imaginação humana, em sentido a sua irrealização, vai aos poucos se tornando uma utopia.
Humanos, egoístas e eternos insatisfeitos que somos, não nos conformamos com nossa finitude (que seria algo realmente natural), nem com nossos bens (mesmo que nos atendam) e muito menos com nossa rotina (estado comum a qualquer ser vivo). Sabiamente, alguém definiu a felicidade como "uma aceitação plena da condição em que nos encontramos". Neste sentido, só quando dissermos para nós mesmos que estamos satisfeitos com tudo: relacionamento, bens, aparência e profissão, só aí, estaremos realmente felizes. Poderíamos desta forma, inferir que a inquietação, a frustração e a angústia são inerentes a quem está sempre a esperar por algo. A busca incessante tende a abrigar a infelicidade.
Como sermos felizes então, se estamos sempre a esperar por alguma coisa? Se todos queremos melhorar, aprimorar e progredir (ações que refletem uma inconformidade), ou se todos temos sonhos que não se concretizam ou se concretizam não achamos que chegamos ao nosso limite, então nunca seremos felizes? Neste impasse, parece que estamos condenados à eterna busca do que não sabemos bem o que é, à procura de um limite desconhecido e que se finda numa frustração ou em uma conformação, necessariamente. Conformação quando percebe-se que chegou-se ao limite e frustração quando este limite não é aparente e retoma-se então uma busca interminável.
Revigorante é a esperança e sábio é o momento exato da conformação. Dentre tantas opções de fazer e não fazer, bom é conhecer o nosso limite e o que realmente nos faz feliz, para que não percamos a esperança prematuramente e nem sejamos demasiadamente ambiciosos, pois ambos levam ao mesmo fim. Como quase tudo nada vida, o ideal mesmo é o meio termo.