quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Pelo fim da hipocrisia

Há dias atrás vi uma matéria no “Fantástico” da Rede Globo e, mesmo já tendo uma opinião bem estruturada sobre o assunto, não pude deixar de ficar impactado. (leia a matéria aqui). A reportagem foi muito boa, porém não mostra os dois lados da moeda, como sempre. Diante dos fatos narrados, podemos concluir que fazer aborto no Brasil, apesar da ilegalidade, é uma prática muito comum e fácil. Assim sendo, percebe-se então que o que impera na sociedade brasileira, na verdade, é uma hipocrisia em relação ao aborto, não obstando falsos moralismos e descaso do poder público frente uma realidade cruel que precisa ser revista pelo Direito brasileiro, devendo este, como medida, descriminalizar e regular o aborto.
Seguem alguns argumentos para refletir sobre o caso:

1 – Quanto à argumentação jurídica de que a vida, mesmo que intrauterina deve ser tutelada pelo Estado, não há dúvidas. Porém, há um conflito entre bens jurídicos tutelados quando esta vida é indesejada pela mãe. O exercício da liberdade individual e da autonomia do indivíduo sobre seu próprio corpo devem ser invioláveis e estar acima do interesse estatal de tutelar uma vida que, nem cientificamente, consegue-se provar quando começa realmente. Há dispositivos legais que autorizam o aborto no caso de estupro e quando a gravidez põe em risco a vida da gestante (artigo 128, incisos I e II do Código Penal Brasileiro), ou seja, a vida do feto, nestes casos, está abaixo da integridade física da mulher e de sua autonomia sobre seu corpo, o que desfaz a noção de que a vida embrionária é prioridade sobre a de quem a gera. Em suma: o direito à vida pode ser relativizado.

2 – Do ponto de vista social, a questão do aborto é complexa por envolver muitos valores morais e religiosos, mas o ponto incisivo da questão reside no fator econômico. Como relatado na matéria disponível no link acima, há várias clínicas de aborto clandestinas espalhadas por todo Brasil, porém, só tem acesso a tais, mulheres da classe média, já que o preço para se realizar tal intervenção cirúrgica não é barato. Consequentemente, não tendo como arcar com os custos de uma clínica especializada em abortos, mulheres da periferia e de baixa renda optam por meios alternativos para atingirem o mesmo fim, como a ingestão de drogas e remédios contraindicadas, chá de ervas ou até mesmo métodos degradantes como a introdução de objetos pontiagudos pela vagina para perfurar o útero, causando graves hemorragias e mortes (*).
Sem falar que, quando a mulher procura um hospital por causa das consequências de um aborto, caso este seja voluntário, poderá responder criminalmente se denunciada.

* Para dar amparo às afirmações: “Dados sobre população foram obtidos junto à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estudaram-se 2.602 óbitos. Do total de óbitos, 15% foram devidos a aborto retido, aborto espontâneo e aborto induzido com indicação legalmente admitida. 85% dos óbitos foram causados por aborto induzido sem indicação legalmente admitida e por aborto sem causa especificada.” (Fonte: http://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v7n3/1408.pdf)


Conclusão: o que falta é o interesse estatal em regulamentar o aborto, pois dados estatísticos e pressupostos legais não faltam para que esta prática corriqueira seja não só descriminalizada, mas tutelada. Cabe ao Estado educar a população sexualmente, além de fornecer e esclarecer sobre os métodos contraceptivos para que não se banalize o aborto, na intenção de não torná-lo uma prática cada vez mais crescente no sistema público de saúde.
Obviamente, esta população a qual me refiro acima pertence às classes baixas, pois para a classe média e alta não há maiores riscos do que a lei que não os pune pelos abortos praticados. Para os mais abastados, como mostrou a reportagem, fazer um aborto é algo muito tranqüilo, com direito a anestesia, enfermeiras e profissionais gabaritados, tudo sob o maior sigilo.

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